quinta-feira, 24 de setembro de 2015

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A crise dos 30... Uma cidade para nós

Havia qualquer coisa de especial naquele momento, mas era tão simples, ao mesmo tempo singular. Talvez fosse a chuva, ou aquela música que remetia a um tempo já tão longínquo. Era um pouco do cheiro do bolo de banana, do mundo à meia luz, um pouco de nós dois espalhados no tapete da sala, imaginando um milhão de vidas e fazendo das nossas ideias suspensas em um gole de vinho, no perfume do seu uísque.

Havia qualquer coisa de ordinário na maneira pela qual nos servíamos das palavras para sonhar com um presente menos desacordado. Era como se mimetizássemos algo que há muito é repetido e compartilhado, há muito já nem tem significado – um significante vazio, uma imagem bonita mas superficial, plana.

Era viver de uma melancolia bonita, mas já tão gasta. Era tentar viver de uma esperança, de uma promessa. Mas era uma experimentação senão inovadora, concreta. Olhei em seus olhos e nos beijamos. Afinal, com o que nos angustiávamos se nossos sorrisos se encontravam para um carinho, se a família estava bem, se, mesmo que pouco, ainda possuíamos uns minutos para nós?

Com os dedos enrolados em meu cabelo, virou-se para tomar mais um gole do bourbon  e me deixou nas almofadas para trocar de música. Havíamos acabado de comprar uma vitrola e alguns discos em um feirinha de rua pela cidade. Trouxe o que colecionei ao longo desses trinta anos e estava guardado no armário da casa dos meus pais. A gente vive para acumular coisas? Nosso sucesso é medido por quantidade? Sonho que fosse de tempo. Seria mais bem sucedido aquele que pudesse escolher seus momentos – desde a que horas acordar até as coisas mais triviais como almoçar ou tomar café da manhã, como um final de semana prolongado para sempre.


Se Calvino estava correto e toda pessoa traz na imaginação uma cidade, desejava uma cidade de fantasia que me desse mais espaço, onde todas as possibilidades fossem realmente escolhíveis e não uma maneira tosca de persuadir nossas vontades. Afinal, havia um imperativo de medo rondando as ruas, como se quisesse impedir que fizéssemos uso de suas calçadas, conhecêssemos suas esquinas e nos apropriássemos do asfalto. Algo ameaçador a nos espreitar, impedindo nosso aconchego em torno de árvores e a possibilidade de ver para além do gritante iluminado. Mas era culpar demais algo externo a nós quando seria de nossa responsabilidade nos relacionarmos de outra maneira, se assim o desejássemos. O caso é que em nossa imaginação a cidade era opressora, e assim a tornávamos. A cidade era caótica, o que nos dava uma boa desculpa para bradar contra quem se atrevesse a passar na nossa frente.