Café, cigarros e um caderno
Iria escrever sobre o que? Pensava em todas as histórias que aconteciam na minha vida, nos últimos meses, nas últimas semanas e desistia antes mesmo de escrever a primeira palavra. Patético demais romancear minha vida, distanciar-me dos fatos, analisar meus pensamentos.
Tomava café e fumava um cigarro. Meus olhos até sorriam, mas seria pieguice demais contar tudo como se fosse uma historinha de livro. Apesar de achar que tudo parece mesmo uma grande invenção da minha cabeça.
E é por isso mesmo que seria ridículo. Exatamente piegas por isso. Detesto pieguices. Satirizo-as. Agora rio por perceber, então, o quanto tudo é ridículo que faz ser tão bom, gozado.
Não ia ser patética a ponto de contar sobre minhas coisas, minha vida, meus amores. Também não podia classificar tudo tão simplismente ou hipervalorizadamente.
O fato é que sinto necessidade de escrever. Não que minha vida não andaria da mesma forma ou que não escrever me sufocaria, ou todas essas bobagens que costumo ler por aí em pseudo-textos. Sinto necessidade porque é isso que quero fazer. Preciso porque quero. Só. Ponto.
Mas escreveria sobre o que? Inventaria mais uma história de coração despedaçado? De romances sem final feliz? De casais na cama...ao amanhecer? Parafrasearia meus próprios desejos? Nunca gostei de ler textos que transpereciam esses 'objetivos'. Também não os leria - os meus.
Critico bastante e até que bem e emperro, empaco para a produção de algum conto. Não necessariamente ficção. É difícil ler aquilo que eu penso. Ler minhas próprias palavras.
As conversas das mesas vizinhas me irritavam. Oito e meia da noite em um café e as pessoas procuravam do outro lado da linha conversas que eram evitadas do outro lado da mesa. Distanciavam-se daqueles com quem dividiram a conta no final da noite.
Discussão de negócios em espanhol e o amigo de bigode olhando para a moça de blusa vermelha. Uma loira discutia detalhes do casamento e o namorado fumava um cigarro em Milão - ainda pode fumar nas ruas de Milão? Não se pode mais fumar em lugar nenhum...
Na mesa da frente sentou-se um senhor. Correndo logo atrás chegou uma garotinha. Acho que devia ter uns 5 anos. Não sei...não tenho muita noção para classificações etárias, muito menos infantis.
Com um grande, para o tamanho dela, pedaço de bolo de morango, chamava o avô para dividir a coxinha. O cabelo escorria encaracolado pelos ombrinhos e costas. Algumas presilhinhas de borboleta salvavam seus olhinhos dos cachos avulsos.
Agora era o senhor de bigode quem atendia o celular e afastava-se da mesa. Seu amigo trocava olhares com a moça de blusa vermelha. Desistia logo para escrever uma mensagem sms.
A loira nem percebia seu namorado ausente. Detalhava, ainda, toda a festa que queria. E tinha que ser do jeito que ela queria. A pequena e o avô dividiam uma lata de coca-cola e se preparavam para ir para casa (?). Os amigos/colegas de trabalho também iam embora e a moça de blusa vermelha levantava para encontrar a namorada.
Iria escrever sobre o que? Havia muito mais histórias do que as minhas. E sentada nesse café capturava pobres fragmentos. Mesmo que tentasse uma das minhas, era tudo o que conseguiria descrever/narrar/contar - pedaços, partes, nada inteiro, algo mutilado.
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