quarta-feira, 22 de abril de 2009

Como ter um dia ruim - By Gabriela Mori

A perna latejava no ônibus. A dor não era tanta, mas a sensação do sangue pulsando incomodava. Incomodava também o gosto de estômago vazio na boca. Acordei mais cedo e fui à busca de um banco 24 horas para sacar a grana do aluguel. Consegui num caixa vagabundo do Compre Bem da avenida Liberdade. Corri para casa, corri para a imobiliária, corri para o metrô. O primeiro trem parou sem que pessoa alguma descesse naquela estação. Próximo, então. Algumas pessoas desceram, o espaço deixado por elas lá dentro foi imediatamente preenchido por outros passageiros. Ameacei entrar, alguém se apertou um pouco mais e me chamou. À medida que a outra estação se aproximava, os animais se agitavam e empurravam mais. Estação Vergueiro. A porta se abriu e eu fui espirrada para fora. Ao tentar voltar ao vagão, errei a distância entre o trem e a plataforma. "Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma. Evite acidentes." Três pessoas me puxavam em meio ao estouro da manada. Nem estávamos no Paraíso...calma, né, gente? Resgatada, não pude deixar de imaginar: e se minha perna tivesse ficado presa? e se ninguém tivesse me visto e o trem seguisse seu rumo? Acidentes assim acontecem no metrô, CPTM, no ônibus. Mortes acontecem assim. E a culpa é sua, meu amigo, minha senhora. Você com sua vidinha de merda que precisa correr pois senão perde a outra condução, e dá licença que eu preciso passar, eu preciso empurrar, eu preciso chegar. Estação Ana Rosa, acesso à linha 2, verde. Fila. 677A.Com o corpo aquecido não sentia a dor. Mas a perna latejava. O gosto ruim na boca. Thom berrava em meu ouvido. Take the money and run, take the money and run, take the money and run. Sentia nojo das pessoas. Me esforçava para não encostar na menina que dormia ao meu lado. Em vão. Ao dormir, ela tinha espasmos que faziam seus braços pularem, a cabeça repuxar para o lado. A curva era violenta e o motorista, estúpido. Nojo do cheiro de tempero às 9 da manhã ao passar por algum restaurante. Nojo dos pombos encardidos e seu andar coreografado sobre a grama. Da cor mostarda do livro que tinha nas mãos. Os olhos passeavam pelas letras que, naquela hora, hora errada. Se pudesse, me teletransportava para um bom hospital para, só um pouco, ser o centro das atenções, dos cuidados. Seria tudo pra mim. Eu não teria que resolver nada. Fique deitada aí, descanse um pouco. Tome seu soro. Cubra-se pois está frio. Estão trazendo o cobertor para você. Para mim. Só hoje queria que alguém me perguntasse "precisa de ajuda aí?". Porque o dia começou mal. E tende a terminar mal. E a espera pelo fim é cruel, ingrata. A perna começou a doer.

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