quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A Casa

A Casa. Assim com letra maiúscula e artigo definido. Tinha um portão que dava para rua e a uma garagem que usávamos de pista de escorregar. Minha mãe e meu pai, porque eles sempre foram assim, duas pessoas, com identidades até na hora quando eu me dirijo a eles - dizer 'meus pais' nunca fez muito sentido para mim - lavavam-na e deixavam tudo bem ensaboado para gente dar impulso numa parede e chegar de barriga até a outra.

Subindo a escada no canto esquerdo chegava-se a um pátio onde sempre montávamos a árvore de natal e de onde tinha-se acesso à sala de estar. Era grande e havia dois ambientes, os sofás e a TV de um lado e o móvel de madeira com portas de treliça que comportava o som super enorme e todos os discos, CD's e fitas cassete do outro. Um terraço cheio de plantas e uma piscina daquelas cheias de ondas azuis desenhada esparramada no centro se alongava em frente a ela. Logo depois, a sala de jantar, onde todas as festas se acomodavam com os balões coloridos, os bolos e os milhões de docinhos que eram preparados dias antes, madrugada adentro, com música e mutirão para passar os brigadeiros no granulado. O quintal que seguia a cozinha foi casa do Juba, cachorro lindo que infelizmente chegou para crianças assustadas com seu tamanho de lobo, mas sua doçura de filhote.

Lá em cima, os três quartos, na frente o dos meninos, no meio o meu e no fundo a cama de casal onde cabia todo mundo e mais bichos de pelúcia e bonecas. Os dois banheiros tinham diferentes funções. O do quarto do fundo servia para ser escalado. O corredor de entrada dele apresentava a distância ideal para subirmos pelas paredes num ensaio infantil de parkour. O outro guardava um armário de brinquedos usados para fazermos nossas experiências no chuveiro.

Aquele quarto do meio foi cenário e estúdio de um programa de rádio do qual fui radialista por muitas fitas cassetes cheias de notícias, contação de história, músicas e propaganda do meu eterno patrocinador, as pilhas Rayovac - as amarelinhas.

Mas A Casa era muito mais do que muito espaço bonito e bem planejado. Era um lar. Tinha clima de lar, de família, de conforto, de amor. Era lá que recebíamos as pessoas, onde minha mãe se aventurou pelo mundo dos negócios com seu macarrão, onde meu pai fez todos os experimentos de manutenção, onde eu e meus irmãos invetávamos outras dimensões, outras realidades, personagens para nossas vidinhas. Foi lá que nossos primeiros amigos foram passar o dia, que eu perdi meu dente na piscina e passei algum tempo com uma prótese que me rendeu o apelido de dente de plástico no ônibus escolar.

A Casa é e sempre será minha referência de casa, de bem-estar. E ela existe assim, na imensidão caleidoscópica da minha cabeça. Reconhecê-la como tal é localizá-la, resignificá-la e mantê-la onde ela deve estar, como uma memória carinhosa de um tempo da minha formação, da construção do meu eu. Obrigada, Casa, pela acolhida!