terça-feira, 27 de novembro de 2007

Haikai - Século XXI


Rostos anônimos na massa
comprimida, dolorida
O relógio corre, pessoas atrás de minutos.



Cara-pálida, cara cinza
A vida sem cor
com trilha sonora de amor.



'Quem te fez fingir viver uma vida feliz?'
'Sou apenas mais um alegre deprê'
- Móveis Coloniais de Acaju

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Olhos nos Olhos

Pedro olhava-a de longe. Olhava os olhos de Clarice que olhava outros olhos. Sorria para o sorriso dele, que a abraçava. Estava recostado no balcão e lembrava do café que iria com ela. Lembrava do teatro que a levaria, dos livros que eles leriam, do charme que ela usaria para insistir que ele a ligasse.

Antonio envaidecia-se com tantos homens a olhá-la, sorririndo para ela, invejando-o. Engrandecia-se com a menina em seus braços, os cabelos encaracolados a atrapalhar sua visão, a encher suas narinas de perfume, a crescer seu peito de saudade.

Com a cabeça recostada na camiseta azul, as mãos correndo pelas costas dele, seus corpos colavam-se e espremiam-se. Percebia cada olhar daqueles que um dia foram alguém em sua vida. Daqueles que já a inspiraram outras músicas, outras noites, outras ilusões. Enche-se com esta camiseta azul, agora.

Acendia um cigarro e tomava o último gole da vodka com limão do copo que suava em sua mão. Mastigava as pedras de gelo. Derretiam-se entre seus dentes, enfriando a língua. Tragava o cigarro, a fumaça gelada. Livrava-se da ponta entre seus dedos e beijava-o com os lábios gelados. Clarice nos lábios de Antonio nos lábios de Clarice.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

De Renata Martins

Percorri caminhos que achei bem conhecer. Andei, andei e quando cansei parei. Ao parar, olhei para o lado e não consegui encontrar muitas coisas que outrora foram essenciais para continuar minha caminhada. Quando quis voltar, não mais encontrei minhas pegadas. Notei então que tinha me transformado em uma outra coisa na qual eu não tinha domínio. Sempre achei que esse era o caminho correto, mas como pode ser correto se estamos sozinhos? Será que a solidão faz parar a caminhada, que cada um tem a sua e, que em algum instante, aquele momento vai chegar para todos? É aí que é há prova de fogo - continuar com o anseio de encontrar algum rosto conhecido mais adiante ou parar e tentar voltar e, quem sabe ainda, encontrar alguma mão que ficou esperando na certeza da volta.

Fechei os olhos, dei um giro que não sei ao certo se foi de 180º ou 360º. Tudo girou junto, minhas idéias descolaram-se uma das outras. Quando abri os olhos, continuei sozinha, apenas com uma brisa soprando em meu rosto. Insistentemente. Não sei se era um afago ou se era vento mesmo. Fique sentada esperando a brisa passar. Ela era mais intensa na face direita, forçando-me a olhar para o outro lado. Na certeza cheia de incertezas, continuei ali, sentada, olhando para frente, sem pegadas, sem caminho, sem volta ...sem ida...sem sorriso...sem ...sem...

domingo, 18 de novembro de 2007

Vida Virtual

Ela era um pouco mais nova do que ele. Aquele ar de patricinha não assustara o menino rock'n'roll. Não, ele barbudo e sedutor, havia sido seduzido pelo sorriso solto e por algumas poucas bobagens que escutava dela.

Fora arrastado para um mundo que não o seu. Fora levado para longe das agitações do seu mundo familiar. Arrastara poucos amigos com ele. Faria amizade com os 'namoridos', designação dos namoradinhos das amigas dela, e que não suportava mais escutar.

Encantado, postava fotos dos dois em seu fotolog, que bombava de recados dela, apaixonada. No dela, declarações de amizade às amigas, saudações aos novos integrantes daquele grupo que agora recebia os membros masculinos e vibrava com tanto que já haviam vivido. Tanto aos 20 e poucos anos será ridículo em 4 ou cinco para frente.

Seu desajuste naquele mundo cor-de-rosa, aquela bahia falante, personificada, foi se intensificando pouco a pouco em crises de ciúmes, em confusões de personalidade e tudo o que ele ainda não havia visto naquela menina, ia tornando-se cada vez mais evidente, chegando a apontar o dedo e rir de tal engano.

Procurou no passado, na menina de cabelos lisos, nas noites de esbórnia o que talvez as baladas com a patricinha não haviam proporcionado. Esqueceu-se de que as mulheres não mudam radicalmente em poucos meses. E quando mudam, rejeitam o passado, ignoram o que já foi, riem das atitudes que agora, mudadas, parecem ridículas.

Agora desabafa seu cetismo com um amiga do outro lado da tela. Uma amiga quase que só virtual, que não aconselha, porque se recusa a fazê-lo, mas tenta o outro lado da história, mostrar a ele que meninas são meninas, e garotos, sempre tão espertos, perto de uma mulher, são só garotos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Conspiração Universal - parte IV

Ele tinha um passado com o qual lidar - uma ex-mulher e dois filhos. Ela era 20 anos mais nova do que ele. Escolhia a blusa, verde ou vinho? Queria usar aquela branca com rendinha. Saia parecia uma boa opção até começar a chover de novo. Não. A calça de veludinho vinho, a blusa branca de rendinha. Ia de tênis? Sapatilha, já que ele era um homem, ela não queria ir com cara de menina.

Calça jeans, camiseta branca e ia ficar descalço. Não tinha a menor idéia do que colocar nos pés e resolveu não se preocupar com isso. O molho estava quase pronto, a chuva castigava a janela e ele acendia abajures no lugar daquela luz fria da sala. Alguns livros jogados na mesa de centro, nenhuma paciência para lê-los.

Linda, cabelos jogados e despenteados. A boca vermelha que havia conversado com ele no café e uma garrafa de vinho. Não conhecia muito safras, tipos, mas decidiu-se por um, após longa pesquisa pelo supermercado próximo a casa dele.

Copos, goles, risadas, sorrisos encabulados, cigarros, fumaça, escutavam Etta James. Ele escolheu a música preferida dela.

At last, my love has come along
my lonely days are over
and life is like a song

And the skies above were blue, she had a dream to call her own. And he smiled, they were in heaven and she was his, at last.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Defenestrações

Atiro-me, desgarrada, infame, desprotegida. Atiro-me aos braços do amigo, do inimigo, do sorriso, da lágrima. Atiro-me ao riso, a dor, ao sofrimento.

De olhos fechados, prendendo a respiração, atiro-me para frente. Meus pés desgrudam-se lentamente da superfície gélida. Atiro-me ao infinito, liberto-me do insuportável, desagradável, do desconforto, do desaconchego.

Atiro-me à liberdade, à esperança, ao sonho.

Atiro meus textos em páginas em branco. Minhas idéias desconexas e confusas ao acaso. Minhas histórias pela janela.

Defenestro-me, e assim o faço com minhas elucubrações, minhas paixões, meus desejos.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Conspiração Universal - parte III

Quarta-feira, fim da aula. Chovia forte e ela não havia trazido guarda-chuva. Só lembrava-se dele quando não havia necessidade de levá-lo com ela. Ia correr até o ponto e talvez ainda conseguisse pegar o ônibus das 23, como se em São Paulo fosse possível confiar na pontualidade dos meios de transporte. Ainda mais no meio de tanta chuva, onde apenas um pingo de água no chão já fazia o trânsito parar em qualquer horário - 'a cidade que não dorme', não pára, não dá trégua.

Melhor parar no café, comer alguma coisa, ir para casa só quando não houvesse realmente outra alternativa, quando não houvesse ônibus disponíveis e ele tivesse novamente que pagar aquela grana de taxi que não podia. Era luxo demais. Café duplo, um pão de queijo. Passava os olhos no jornal. Sempre derrubava açúcar na mesa, mas era mais gostoso recolhê-lo com os dedos molhados e lambê-los.

Seu tênis estava encharcado. Sua blusa branca era a atração da Haddock Lobo. Um Franns, graças a deus. Café e um pão de queijo. Acendeu um cigarro e se sentou no balcão, olhando para fora. Via as luzes dos carros correndo na rua, guarda-chuvas espremendo-se na calçada, olhos castanhos do outro lado do café a analisá-la, admirá-la. Sorriu e baixou os olhos. Empresta o isqueiro? Queimou a língua, baixou a xícara e recolheu o resto de açúcar derrubado no balcão.

domingo, 4 de novembro de 2007

Conspiração Universal - Parte II

Ele tirava os cachos de frente dos olhos dela. Ela sorria e olhava fundo em seus olhos que olhavam fundo os olhos dela. Eles não viam nada além daquele brilho escuro e daquela alegria de pupilas saltando o rosto.

Suas mãos corriam pelas costas dela, gelada, esquentando-na - por dentro. As delas corriam por aquele rosto que sorria e gelava no toque de lábios próximos em sonho.

Escutavam a respiração ofegante um do outro. Ele a tocava na orelha, no pescoço, beijava-o. Beijava seu corpo entre milhares de outros possíveis. Beijava os sonhos de corpos e era o dela que desejava, que ansiava, que queria.

Esta manhã de domingo era chuvosa, nebulosa, fria. Aquele quarto não estava laranja, mas cinza, explodindo em vermelho, verde, azul - brilhando de olhos fechados.

Thörm mandava raios, trovões, água. Acima a os espreitar, ele corria a mão sobre aquela folha longa de seu livro em branco.

Ele sussurrou 'eu te amo'. Ela fechou os olhos e dormiu aquelas palavras em silêncio. Chovia lá fora e o vento uivava no escuro.

sábado, 3 de novembro de 2007

Poema de Finados - Manuel Bandeira


Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.


Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.


O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.

lembrei desse poema hoje. podia ter postado ontem. acho q queria ter postado ontem, mas só lembrei dele hoje. um dos meus preferidos, um dos primeiros poemas que lembro de ter amado.

Haikai para criança


olhos de vidro
cabelos amarelos - de lã
fita vermelha - brinquedo de criança.





Colorida: olhos verdes,
vestido azul e
fita vermelha. Boneca.


Gostei dessa brincadeira. Não sei se fica bonitinho, mas é bem gostoso de fazer. rs