terça-feira, 10 de julho de 2012

Família

Ontem um tio meu morreu. Por mais distante que estávamos por anos, ele era muito querido a mim e tenho certeza que a minha família toda também. Velórios e enterros parecem ter um poder de reflexão muito grande e ontem passei as horas que fiquei por lá pensando muito e tentando entender os motivos que afastam irmãos, tios, primos e gente que se gosta, mesmo com todos os acontecimentos que a vida cria.

Uma das lembranças mais fortes que tenho dele e da minha tia Marly é de uma festa que teve em minha casa, aquela na Cunha Gonçalves, quando eu já tinha idade para começar a guardar momentos e expectativas na memória. Não me lembro se o aniversário era do Renato ou meu, mas lembro bem que todos iriam. A família já devia ter passado por muitos bocados que a separaram, mas ainda recebíamos alguns e visitávamos outros.

Esse dia, a tia Marly e o tio Jaime trariam meus priminhos Renata e Bruno, que não sabíamos se eram muito menores que Renato, Ronaldo e eu. Lembro claramente de ter falado para o Renato que tínhamos que brincar com eles e que os dois deviam ser bebês. Não eram. Eu não tinha a menor ideia que a idade deles era bem próxima da do Rê, mas quando eles chegaram, a festa foi a maior diversão. Assim como as diversas vezes que fomos a Peruíbe com eles e que do corredor e do nosso esconderijo secreto (uma sacada em cima da casa) nós ouvíamos meu tio cantando no banheiro. Boeeeeemia, aqui me tens de regresso. Nelson Gonçalves deve tê-lo recebido nos céus cantando num show particular para um grande fã domingo à noite.

Lembro também de quando voltamos de Salvador e que passávamos férias na casa deles, uma delas mais marcante por ter sido o mês mais triste aqui em casa, quando minha tia Tutu também morreu durante o frio e que a notícia foi recebida no quarto dos meninos, no colo do meu pai e da tia Marly.

E a ida à Salvador, antes pensada, ao longo de meses, como uma aventura, mais dolorosa quando da despedida desses tios. Acho que essa e a despedida da Tutu para as terras longínquas e quentes da Bahia foram as mais doloridas daquele 1996.

Daí que um dia, não sei ao certo o porquê, e creio que nem meus pais e nem meus tios têm uma ideia clara do que houve, separamo-nos e ficamos todos esses mais de 10 anos até ontem, num dia de nova despedida, porém essa mais longa. Ouvir minha tia e minha mãe chorando uma no braço da outra e concluindo que tudo foi uma grande besteira me soou uma das melhores notícias dos últimos tempos.

Ao mesmo tempo, participar de um evento de tamanho sentimento foi muito triste. O que a morte tem que nos desperta? O que a morte oferece que nos faz refletir não só no morrer mas no que estamos a fazer com nossas vidas? Será medo? Será percebermos o quão pequenos são os acontecimentos que nos distanciam? Será perceber que amamos as pessoas e não damos o braço a torcer para retomar amizade, carinho e bem querer de mais perto?

Sempre senti falta das pessoas e do quanto era bom sentarmos todos à mesa e conversarmos sobre coisas que marcaram a família, as piadas, as festas, outras pessoas que não viria a conhecer. Sempre foi gostoso ter o Natal com a mesa mais cheia e dividir toda a felicidade e gratidão de um ano. O que será que acontece às pessoas para que elas (e nós) fiquem (fiquemos) no lugar e não mais compartilhem (compartilhemos) mais momentos para serem vividos e lembrados? O quanto estamos perdendo?

Perdemos as pessoas, mas, pode ser muito egoísta declarar isso, senti uma enorme satisfação, para não dizer felicidade, de dizer a elas que estava lá para elas, por elas. Não é preciso muito mais do que essas palavras para gente se perdoar (a nós mesmos e aos outros) por tudo o que não compreendemos que fizemos. E compreendermos que o amor está acima de qualquer uma dessas incompreensões.

Um abraço, tio Jaime. E obrigada por, de um jeito tão doloroso, nos fazer ver mais do que a dor de te perder. Eu sempre amei você. E vou sempre.