quarta-feira, 31 de março de 2010

Starting over

Todas as vezes em que abri o blog nos últimos tempos, escrevi no máximo três linhas. Período difícil para organizar as ideias e transcrevê-las à minha maneira. Todas as vezes em que li o blog senti uma saudade imensa de quando meus dedos corriam pelo teclado tentando acompanhar a rapidez com que o texto formava-se na minha mente (bem como agora, quando a caneta insiste em dificultar o movimento. E é tão bom.). Chega a ser libertador de tão piegas.

Por esse longo tempo, a sensação que eu tinha era que escrever tinha sido uma fase e que eu já tinha secado de possibilidades, ou de oportunidades, como preferir. A minha tristeza era supor que, talvez, o meu maior desejo não mais pudesse se consumar. Não mais pudesse me satisfazer.

Eu, que sempre intui, erroneamente, que escrevia melhor na dor, dolorida me era impossível escoar. Culpava inclusive a mesma dor que me fora tão fértil por longo período da seca que corroia tudo o que poderia virar palavra dentro de mim.

Agora, com poucos dias de liberdade conquistada às custas de um ano bastante difícil e nada satisfatório, abro meu caderno de anotações com uma garrafa de cerveja à minha frente e preencho linhas e parágrafos de quase um desabafo, não fosse meio misterioso, explicando bem pouco a quem não me conhece o suficiente para ter um dia ouvido algumas de minhas lamúrias.

Eu me sinto de volta, como se tivesse passado uma temporada num curso de férias, aprendendo algo que me era bastante importante mas extremamente difícil. Como se eu tivesse morado fora do país e sido obrigada a criar uma identidade em outra língua e não tivesse me adaptado, como se tivesse incorporado uma entidade ou identidade no sentido umbandista do verbo.

Eu sei que não devemos comemorar antecipadamente, mas olha para cima e veja quantos paragráfos eu escrevi, ou senta comigo para tomar uma e veja que as olheiras hoje em dia são só de uma canseira feliz e de dever cumprido, e não de decepção e sentimento de incapacidade.

Eu estou de volta, meu bein!
Aguarde mais porque as ideias estão pipocando na minha cabeça.

sexta-feira, 5 de março de 2010

A Escrava Isaura

Projeto da Editora Ática de adaptação do romance brasileiro de Bernardo Guimarães com dicas de abordagem na sala de aula. Edição dedicada a alunos da sétima/oitava série.

Foi o melhor freela que eu fiz em todos os tempos. A maior delícia escrever sobre literatura, contexto histórico e movimento literário sem o pedantismo e conservadorismo acadêmico e com a liberdade criativa que me fez entrar no curso de Letras.

Segue e aguardo mais sugestões e críticas. Se houver algum leitor que seja professor e que teste essas dicas, mande o feedback, por favor.


Faz parte do conceito Romântico o desejo de se diferenciar. Assim, não é permitido chamá-lo de Escola Literária, mas um movimento literário que apresenta constante ruptura, instabilidade e mobilidade. O crítico alemão romântico Friedrich Schlegel definia literatura em geral como poesia e como uma universal progressiva: em mudança permanente, onde nada lhe é alheio e a literatura é uma revolução que preza a contradição, fundamentalmente. Tradição da ruptura. O Romantismo é, então, um movimento que agrupou ideais políticos, artísticos e filosóficos e se caracterizou por uma visão de mundo contrária ao racionalismo neoclássico. Suas principais características como movimento artístico são: ter como principal preocupação a centralização do indivíduo, a partir do qual se geram reflexões e para o qual essas se voltam, marcando a produção pela subjetividade; a linguagem retórica, que é o veículo e o obstáculo da expressão das emoções do eu, já que a língua é vista como instituição social, um recorte da realidade que pode ou não exprimir o que o autor deseja ('Quando a alma fala já não fala a alma.', Mário de Andrade); e o sentimentalismo exacerbado, apresentando como temas principais os sentimento intensos, como amor e a saudade, por exemplo.

O amor romântico é aquele que visa o reconhecimento da infinitude da subejtividade do sujeito pelo outro, não demandando, porém, este reconhecimento por imposição, mas pelo abandono de si no outro, tomando consciência de si pela consciência do outro. Esse é o amor totalizante a que o Romantismo dedica tantas páginas e versos, com o abandono irrevogável e por meio de uma curiosidade infinita. O amor é a religião profana do sentimento. Assim, Bernardo Guimarães não podia escolher outro sentimento para expor a contradição existente na obra - escravidão X liberdade - senão por meio do amor. O único refúgio de liberdade de Isaura é o seu amor e, portanto, é por causa dele que ela passa por diversas privações ao longo de todo o romance.

Bernardo Guimarães, que nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 10 de março de 1825, formou-se em Direito pela Universidade de Direito de São Paulo, 1847, cidade na qual conheceu e tornou-se amigo dos poetas com os quais fundaria a Sociedade Epicureia, Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa. Segundo o crítico literário Antonio Candido, a sociedade foi um "ponto de encontro entre a literatura e a vida, onde os jovens procuravam dar realidade às imaginações românticas". O nome foi inspirado em Epícuro, filósofo grego que defende em sua obra o gozo dos bens materiais e espirituais do mundo com ponderação e medida. Seus opositores, principalemte religiosos, que lutavam contra o materialismo, desvirtuaram sua doutrina, e Epicurismo tornou-se sinônimo de busca exclusivamente material e prazeres terrenos, conotação (e prática, segundo relatos não muito confiáveis do povo de sua época) que foi usada pelo grupo de Guimarães. O que se sabe do grupo, realmente, é que foi por meio dele que se consolidou, no século XIX, em São Paulo, uma intensa produção literária estudantil, garantindo a homenagem do Patronato da Cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras ao autor de 'A Escrava Isaura'.

O Romantismo é o momento da consolidação da hegemonia burguesa e a consequente constituição do Estado através de sua independência, pois buscou na paixão nacionalista uma forma de consolidar os estados nacionais na Europa. No Brasil, o Romantismo encontra amparo político na figura de Dom Pedro II, político louvado por sua postura em favor da educação e cultura, fim da escravidão e sua atitude diplomática e, em alguns casos, próxima para com personalidades do mundo todo. ''Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro.' Frase atribuída ao imperador que demostra sua preocupação em relação às ciências e seus pensadores.

A economia do segundo império baseava-se principalmente na agricultura, tornando o café o principal produto exportador do Brasil durante o reinado de Pedro II, substituindo a cana-de-açúcar, fazendo com que a economia crescesse consideravelmente. Estruturada na monocultura, a economia prosperou quando produziu mercadorias de grande aceitação na Europa sem muitos concorrentes, primeiro com a cana e agora com o café. Centralizada principalmente no Sudeste, a cultura do café forneceu uma sólida base aos grandes proprietários da região. A mãe-de-obra escassa acelerou o processo abolicionista e atraiu milhares de imigrantes para trabalho na lavoura, que, além dos braços, trouxeram a experiência das fábricas, impulsionando a economia industrial no país.

O processo do fim da escravidão no Brasil deu-se a partir da primeira metade do século XIX, quando a Inglaterra passou a contestar o tráfico de escravos, o que prejudicava seu objetivo de ampliação do mercado consumidor ao redor do mundo. Assim, criou a Lei Bill Aberdeen em 1845, proibindo o tráfico e dando poder à Inglaterra para abordar e aprisionar quem ainda praticasse, agora, o ato ilegal. Com o apoio de D. Pedro II pelo fim da escravidão, em 1850, O Brasil criou a Lei Eusébio de Queiróz, acabando com o tráfico negreiro no país. A partir daí, as leis que foram instituidas visavam libertar os escravos considerados mais fracos, como a Lei do Ventre Livre, que garatia a liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir de sua instituição, e a Lei do Sexagenário, promulgada em 1885, que garantia a liberdade dos, poucos e raros, escravos com mais de sessenta anos. Até que, no final do mesmo século, a escravidão foi proibida mundialmente e, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

Apesar do tema do romance ser a história de uma escrava e de ter sido escrito e publicado no período abolicionista, e apesar da inserção de frases abolicionistas na fala de alguns personagens, como Álvaro e seus amigos, o livro não se alonga muito na descrição do sofrimento causado pelo regime escravocrata, não sendo um romance que pretende denunciar as violências do regime. Sua preocupação está em contar a história de uma escrava virtuosa e seu senhor cruel, criando empatia entre a personagem e o leitor. A aparência da escrava denuncia a forte influência romântica europeia de Guimarães e sua preocupação em corresponder às expectativas do público leitor da época, mulheres da sociedade apreciadoras de histórias de amor, distanciando-se da seriedade de uma denúncia. Sua beleza branca e pura causou críticas severas acerca de seu posicionamento sobre o assunto, porém, condizia com o ideal de beleza de então.