segunda-feira, 3 de maio de 2010

Barra Funda

Pouco se ouvia e se via naquela casa azulada, aquelas paredes rabiscadas pelo tempo, desinfetadas pela chuva, lavadas pelo vento. Os tijolos aparentavam uma centena de anos descuidados, desprotegidos, usados.

Sabia-se que lá morava uma senhora com algo perto de setenta anos, pedia comida como se morassem dezenas de pessoas junto com ela. Seus olhos se escodiam no vão da porta para receber o saco de pão, os doces, bolos, chocolates, biscoitos, sucos e sempre uma outra coisinha, 'a vontade do dia', como diziam.

Era sempre agradável, sabia sobre os familiares dos entregadores, dava boas gorjetas, sorria e se trancava novamente entre as paredes que se seguravam nos muros vizinhos para não cair.

Seu dia não começava se antes não tomasse banho, pingasse gotículas de alfazema na ponta das orelhas, jogasse água para seus 7 gatos e sentasse na poltrana vermelha com uma grande caneca de café. O dia não começava direito se não ligasse para ouvir a voz da menina que agora era mulher. Sua vida não começava se ela não sentasse em frente à janela, olhasse para o céu entre as árvores e pensasse o quanto da vida largava para os vãos das portas e das cortinas semicerradas.

Alguns meninos do bairro achavam q ela era uma bruxa. Outros achavam que era louca. Muitos pensavam que ela vivia muito bem e que a deixassem em paz. Muitos outros, em bandos, esticavam os olhos para ver a mulher que era sempre o assunto do balcão da padaria. Uma que nunca viram. Tudo pelo mistério de ver quem não quer ser visto.

Ela vivia a esperar que a menina viesse visitá-la e comesse tanto dos bolos e doces e tomasse café e contasse da vida e reclamasse do trabalho, comentasse a roupa da moça na tv, pedisse para pregar um botão no seu casaco novo e lhe desse um beijo de boa noite-até.

Um comentário:

Roberta disse...

art déco! lindo, mas meramente decorativo!
quero mais!