Os acontecimentos em Little
Rock causaram impacto na recém-chegada e refugiada nos EUA. Em texto posterior
ao resenhado aqui, Hannah Arendt, por força da necessidade de explicação acerca
da polêmica que sua publicação causou nos movimentos de direitos civis norte
americanos, justifica o foco dado como uma influência de sua experiência
pessoal vivida num mundo também de ódio, antissemita, porém.
Seu ensaio, numa primeira leitura, parece não ser
favorável à integração dos alunos negros nas escolas brancas americanas. Isto
porque a autora insiste em advertir o leitor para o fato de que as crianças
sofreram uma violência ao serem obrigados a lidar com uma situação que nem
mesmo as gerações anteriores conseguiram. Esse temor, ou precaução, trouxe à
memória uma cena do filme The Help, de 2011. Dirigido por Tate Taylor, discorre
sobre a jornalista que decide ouvir as empregadas domésticas negras das
famílias brancas e escrever um livro para que elas pudessem ser ouvidas também
pelo resto do país. Sua mãe, depois de muito relutar, diz à filha: ‘Sometimes
courage skips one generation’. A reflexão que o texto suscita corre nas
palavras dessa mãe e em relação ao significado
simbólico muito mais do que pragmático que esse evento apresentou não só
naquele momento histórico, mas que ainda representa nas discussões sobre
direitos humanos e civis. Além disso, há a ideia da coragem vir do novo,
daquele ainda não completamente contaminado pelos preconceitos embutidos
socialmente.
Hannah Arendt questiona os pais negros e brancos por
permitirem que seus filhos passassem por um trauma violento como ao que foram
expostos e pelo qual ficaram marcados. Questiona seu leitor para que ele
reflita e se posicione com relação à responsabilidade que as gerações
anteriores têm com as mais jovens e as maneiras pelas quais pode protegê-las.
Como, porém, impor uma luta política dentro da escola
quando a segregação era legal na América e os negros e brancos eram mesmo
diferentes perante a lei? De que maneira forçar um posicionamento por parte dos
jovens estudantes quando o próprio Estado não só corroborava o comportamento
discriminatório como também educava seu povo para que mantivesse a conduta de
cidadão correto que não somente segue as leis mas que as defende? Por outro lado, por que não dar a chance a
um ato como esse ser ponto de partida para discussões relevantes socialmente,
assim como passaram a ser na história?
José Murilo de Carvalho defende em seu livro Cidadania no
Brasil uma evolução lógica na conquista de direitos dentro de uma sociedade e
Hannah parece seguir a mesma lógica do autor brasileiro quando não vê coerência
e mesmo legitimidade em conquistas de direitos civis sem que os políticos
estejam garantidos a priori. Apesar de significativa, sua preocupação não
previu que o evento em Little Rock pudesse aquecer o movimento pelos direitos
civis que desejaram mais igualdade além da que garantia acessibilidade às
escolas a negros e brancos, mas que os ônibus não fossem mais divididos, os
banheiros compartilhados, a porta de entrada pela frente de estabelecimentos
comerciais fosse livre, que discriminar pela cor da pele fosse crime. A
conquista dos direitos civis impulsionou o movimento a buscar e garantir
direitos políticos e seu lugar no cenário norte-americano não como um grupo
exterior, mas parte da união.
Para ler o texto de Hannah Arend 'Reflexões sobre Little Rock', acesse aqui.