quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Vozes


Uma família italiana, histórias com música, arte, sofrimento (é lógico que é genético) e nostalgia. No último mês morreu um dos tenores mais populares das últimas décadas. Pavarotti ajudou a popularizar a ópera e as dramáticas cancionetas napolitanas, misturando a música popular e a erudita de um país culto e ao mesmo tempo cafona.

Na minha vida, participou indiretamente como trilha sonora para churrascos à beira da piscina das minhas primeiras e distantes lembranças da fase mais sublime da vida. Ao ler nos jornais e ao assistir na televisão a antigas apresentações, escutando canções como 'O Sole Mio', 'Marechiare' e 'Nessum Dorma', fui transportada para um daqueles domingos de sol no Jardim Bonfiglioli, na sacada de casa, quando meu pai escutava a estas músicas e contava as histórias dos almoços numa casa da Barra Funda algumas décadas antes.

Meu avô, Hércules Migliacci, barítono do Teatro Municipal de São Paulo, durante a década de vinte, como bom italiano com o orgulho da pátria, ouvia na rádio Gazeta, durante 'A Hora Italiana', famosos cantores patrícios como Tito Schipa, Beniamino Gigli e Enrico Caruso, cantores que misturavam em seu repertótio, assim como Pavarotti, o popular e erudito, influenciados pelo desenvolvimento da indústria fonográfica. Interpretavam Puccini, Verdi, Leoncavallo e as tristezas do povo do sul napolitano pobre. Neste programa também cantavam Tito Gobbi e Mario Lanza, artistas renegados pelo povo, pois eram vistos como vendidos para os americanos, tendo escolhido fazer a América, a do Norte.

Meu avô parou de cantar para sustentar esposa e 10 filhos. Deixou as cancionetas paras as horas do almoço e as óperas para as tardes dos finais de semana, com as mesmas histórias que muitos anos depois seriam contadas pelos seus filhos para os filhos deles. Meu pai para mim e meus irmãos. Meus tios para os zilhões de primos que eu tenho.

E todo mundo tem seus favoritos. Para lembrar do meu pai, preciso de alguns minutos de Puccini – O Babinno Caro, uma ária de Giani Schichi. A ária é a história da filha pedindo ao pai (Babinno) querido (caro) para se encontrar com o namorado, de uma forma trágica, uma das grandes marcas das óperas italianas. A parte cômica, também sempre presente nestas obras, fica por conta do casamento arranjado entre famílias inimigas, sendo o pai do noivo um grande picareta.

A minha favorita, com pouquíssimo conhecimento, é Bohemia, também de Puccini, apresentada a mim por Hollywood. Quem não assistiu ‘O Feitiço da Lua’? Filme estrelado pela diva Cher e pelo gorgeous Nicholas Cage, história emoldurada por uma – estereotipada, mas verdadeira - família italiana (a da Cher) nos EUA. Enfim, Nick leva a diva à ópera para assistir a esta obra de Puccini.

Que os italianos se libertem da imagem da Terra Nostra e da porcaria da RAI e sejam também lembrados pela arte que sempre foi um ponto forte daquela botinha cafona. Rs

6 comentários:

Anônimo disse...

Engraçado. Histórias de familia misturadas a algum fato marcante. A morte do Pavarotti deixa o lado lírico da música clássica mais pobre, mas não desamparada. Uma pessoa que popularizou e desmistificou o que para os brasileiros era obra de elite. O avô Hércules com certeza seria uma das pessoas mais abaladas com essa perda que a música sofreu, até porque o Teatro Municipal já havia sofrido com a sua. De qualquer forma, assim como foi a sua infância, a minha não poderia ser diferente, ainda mais pelo fato de ter participado de algumas óperas no Teatro Municipal (a vergonha quase me impediu de escrever isso) e pude acompanhar um pouco mais de perto o que vivia o tal avô Hércules e imagino o que ele sentiu quando abandonou de vez essa carreira que poderia não ser a mais promissora, mas não era a mais viável na época. Não gosto de escrever textos muito grandes para comentar algum assunto, afinal é apenas um comentário, mas não podia deixar passar. Beijos

Leandro disse...

Italians do it better ;-)

Marcia Pavelosk disse...

Estou sentada em frente ao computador, tentando expressar o meu sentimento e não encontro as palavras certas. Talvez porque o sentimento, a emoção seja muito forte. Também não conheci o Hercules Migliacci, meu sogro, pois quando entrei pra essa família, ainda que por amizade, ele já tinha voltado "pra casa". Comecei então a ouvir as músicas italianas, que no início, não queriam dizer muita coisa pra mim. Porém, os laços que nos unem, logo me fizeram entender cada palavra, cada emoção, cada lágrima. E assim, começei a amar o Hercules, e sentia como se o tivesse conhecido sempre. Acredito, Marina, que seu pai quis mostrar a vocês essa mesma imagem que me foi mostrada atraves da música, e com certeza ele conseguiu, pois o seu texto de hoje mostra bem esse sentimento que você tem em seu coração, por um avô que você nunca conheceu, mas que você ama muito. Por outro lado, também traz uma sensação de missão cumprida, porque atraves das suas lembranças, sabemos o quanto foi marcante pra sua personalidade, as nossas tardes musicais que continuam até hoje. Beijo no seu coração

Anônimo disse...

Sim, a Itália é berço de coisas belíssimas! =D

Nossa, não sabia q seu avô cantava no Teatro Municipal. Adorei este post, porque com ele eu pude conhecer mais um pedacinho da sua história, que vc contou aqui tão ricamente.

Infelizmente eu não assisti este filme, mas se tem Nicolas Cage, deve ser mto bom... adoro! xD

Mari, tô com muita saudade!!!

Beijosmeligalogoteadoro!!

Unknown disse...

Eu tb não sabia que o vô Hercules cantava....e ainda no teatro municipal. Chique demais...
Bjks, Mirna.

Unknown disse...

Marina:

Creio que somos parentes um pouco distantes. Se estou certo, Hercules Migliacci era filho de Domenico Migliacci e Ernesta Castagnini (minha bisavó). Hoje, depois de 30 anos, encontrei umas notas que escrevi quando meu avô ainda era vivo (ele faleceu em 1994) onde havia o nome Domenico Migliacci. Lembro do nome do filho deles, sendo Hercules.

Adoraria comparar notas para confirmar tudo isso.

Marcus Bianchi