A Casa. Assim com letra maiúscula e artigo definido. Tinha um portão que dava para rua e a uma garagem que usávamos de pista de escorregar. Minha mãe e meu pai, porque eles sempre foram assim, duas pessoas, com identidades até na hora quando eu me dirijo a eles - dizer 'meus pais' nunca fez muito sentido para mim - lavavam-na e deixavam tudo bem ensaboado para gente dar impulso numa parede e chegar de barriga até a outra.
Subindo a escada no canto esquerdo chegava-se a um pátio onde sempre montávamos a árvore de natal e de onde tinha-se acesso à sala de estar. Era grande e havia dois ambientes, os sofás e a TV de um lado e o móvel de madeira com portas de treliça que comportava o som super enorme e todos os discos, CD's e fitas cassete do outro. Um terraço cheio de plantas e uma piscina daquelas cheias de ondas azuis desenhada esparramada no centro se alongava em frente a ela. Logo depois, a sala de jantar, onde todas as festas se acomodavam com os balões coloridos, os bolos e os milhões de docinhos que eram preparados dias antes, madrugada adentro, com música e mutirão para passar os brigadeiros no granulado. O quintal que seguia a cozinha foi casa do Juba, cachorro lindo que infelizmente chegou para crianças assustadas com seu tamanho de lobo, mas sua doçura de filhote.
Lá em cima, os três quartos, na frente o dos meninos, no meio o meu e no fundo a cama de casal onde cabia todo mundo e mais bichos de pelúcia e bonecas. Os dois banheiros tinham diferentes funções. O do quarto do fundo servia para ser escalado. O corredor de entrada dele apresentava a distância ideal para subirmos pelas paredes num ensaio infantil de parkour. O outro guardava um armário de brinquedos usados para fazermos nossas experiências no chuveiro.
Aquele quarto do meio foi cenário e estúdio de um programa de rádio do qual fui radialista por muitas fitas cassetes cheias de notícias, contação de história, músicas e propaganda do meu eterno patrocinador, as pilhas Rayovac - as amarelinhas.
Mas A Casa era muito mais do que muito espaço bonito e bem planejado. Era um lar. Tinha clima de lar, de família, de conforto, de amor. Era lá que recebíamos as pessoas, onde minha mãe se aventurou pelo mundo dos negócios com seu macarrão, onde meu pai fez todos os experimentos de manutenção, onde eu e meus irmãos invetávamos outras dimensões, outras realidades, personagens para nossas vidinhas. Foi lá que nossos primeiros amigos foram passar o dia, que eu perdi meu dente na piscina e passei algum tempo com uma prótese que me rendeu o apelido de dente de plástico no ônibus escolar.
A Casa é e sempre será minha referência de casa, de bem-estar. E ela existe assim, na imensidão caleidoscópica da minha cabeça. Reconhecê-la como tal é localizá-la, resignificá-la e mantê-la onde ela deve estar, como uma memória carinhosa de um tempo da minha formação, da construção do meu eu. Obrigada, Casa, pela acolhida!
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
domingo, 8 de maio de 2016
Burnout
A tontura por incapacidade de concentração. A cabeça gira em mil pensamentos e nada parece ser um caminho, uma solução, mas uma pilha de preocupações e todas as frustrações na ordem do dia. Nada satisfaz. Nada parece ser concreto, certo, conquistado.
A noite toda olhando no relógio e atrasada, preocupada, cansada, acorda mais uma vez e checa quanto falta para a fatídica hora de levantar, de correr. Vira mais uma vez e dói. Os pés, as costas, as pernas e a cabeça. Ah, a cabeça dói o tempo todo. Já nem toma mais remédio, já nem acha que vai resolver. Vira e o encontra, abraça seu corpo, segura sua mão e dorme de novo. São 5 horas, enfim a hora pela qual ansiou a noite toda.
Os pés encontram o chão mas não completamente e já reclamam. Doem. O banheiro frio, a casa escura e o banho que poderia relaxar é só uma preparação para o dia todo, maluco, cansado, estressante. Esquece de pegar a toalha e sai molhada andando pela casa a procura de calor, de aconchego. Nada parece vestir bem e faz a pior escolha de roupa, uma que a fará se sentir no corpo errado ao longo de toda a jornada.
Não tem café e nem dá tempo de fazer. Não tem pão. Tem um bolo de laranja, doce doce. Enjoa. Acha o leite e acende o cigarro. Também lembra dos seus alunos, da caixa de chocolate toda assinada que ganhou e sorri. Que queridos, que preocupação comigo, que carinho. As lágrimas já estão cedo nos seus olhos, mas não há mais tempo. Seca o cabelo, passa perfume, pega a chave, despede-se dos gatinhos e vai.
As leituras de ônibus tiram a sua cabeça desse mundo, a divertem e ela segue viagem, segue com o trânsito, segue com a vida. Aos poucos, o mundo todo parece ir acordando. Distrai-se com as janelas das casas que se acendem e imagina como se preparam para mais um dia, como vivem a vida, como organizam seus mundos.
Uma mulher puxa conversa. Esqueceu o café da manhã em casa e teme que seu cachorro o coma. Seus filhos o acostumaram a comer um monte de porcaria e ela tensa vasculha a bolsa mas nada. Só as maçãs e a fome. Até mais. Bom dia.
A dureza estampada no rosto de uma gente toda, a dor pesando por tantos corpos sem posse e eu me sentindo um pouco menos fora, um pouco mais próxima da beira, um tantinho mais amparada mesmo que por compartilhar as mesmas ânsias, impotências e determinações.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Alá Alá Alá Drauzio Varella
Faz 30 anos que me incomodo com meu peso. Não só esteticamente, mas meus joelhos, tornozelos, costas e bolso não têm mais condição de manter tantos quilos. O final do ano foi decisivo e a viagem para outras paragens foi libertadora para que eu entendesse que se eu começar, vou terminar. E assim está sendo há quase um mês.
Minha ideia era cortar tudo o que não fosse fresco e até agora a única coisa em vidro mantida foi o palmito. Tenho planejado todo o cardápio do dia, da semana, do mês. O carrinho de compras é cheio, mas bonito. Paulo e eu passamos horas na área de frutas e legumes escolhendo um monte de coisas e pensando em receitas pelas quais acabei me apaixonando. E, como desde que saí da casa e do fogão da minha mãe, descobri que adoro cozinhar, descobrir maneiras de fazer isso sem excessos de toda ordem é bastante interessante.
Fácil não é. Eu sou a louca do chocolate e das massas. Mas nesse último (quase) mês, tenho me controlado de uma maneira nunca antes imaginada e alcançada por mim.
Além de todo o lance da reeducação, mudei o tipo de exercício que faço diariamente. Antes focava no pilates duas vezes por semana e na promessa de fazer caminhadas pós-trabalho. Agora eu tenho um aparelho elíptico que garante a diversão de sentir que estou andando na lua e no qual já arrisco alguns poucos minutos de corrida alternados com outros de caminhada. O youtube também é um ótimo instrumento para isso, já que você encontra aula de tudo quanto é coisa para fazer por lá. Há dias em que me concentro em yoga, noutros eu faço abdominais, pernas e glúteos. Até meu vocabulário tem sido enriquecido por essas pesquisas.
Interneticamente, blogs e o facebook todo dia me dão uma injeção de ânimo com histórias de superação de mulheres muitas vezes mais pesadas do que eu.
Mas quem me inspira mesmo é a entidade suprema Drauzio Varella. Li ano passado que ao completar 50 anos Drauzio resolveu começar a correr depois de ouvir de um amigo que a vida era só uma grande decadência depois dessa idade. Ele já participou de várias maratonas, correndo 4 horas em cada uma delas. Agora é quem vem a parte que me toca. Ele treina 2 vezes por semana correndo pelo centro e (!!!!) sobe de 8 a 10 vezes as escadas de seu prédio de 16 andares.
Todo dia quando sentada acho que tudo bem não fazer nenhum exercício hoje, eu lembro que possivelmente Dráuzio, com mais do dobro da minha idade, está correndo os degraus de seu prédio, superando dores e preguiça e nosso estado natural de hibernação constante. Aí eu me levanto e decidida vou ligar uma música boa para começar a uma de hora fitness da vida.
Com tudo isso, foi uma grande surpresa quando semana passada, suada e toda cheia de orgulho de mim, entro no meu quarto e encontro um pedaço de pastel jogado em cima da minha cama. O espanto com o desconhecido em um piscar de olhos se tornou indignação com a cara de pau do destino de levar toda minha ironia, sempre tão cara e presente para mim, defenestrada por outrem para cima do meu travesseiro. Porra, devia ser proibido acertar a janela de uma pessoa determinada como estou com um pedaço daquilo que pode arruinar a capacidade de concentração de qualquer um, até mesmo a mais nova convertida drauziete.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016
Crise dos 30 e as viagens dos 20
De all star vermelho desbotado, calça jeans e uma camiseta branca. Passei em frente ao cursinho próximo ao trabalho e me dei conta de que me visto como os wannabe ESPM. O espelho do elevador é um péssimo conselheiro quando se está com a resseca do urso polar no meio do verão senegalês.
Enquanto o computador não liga, vou à copa pegar a maior caneca de café já vista nesse escritório de tecnologia. A porta rompe o silêncio e ele entra de camisa verde escuro e calça preta. Bom dia. E que belo dia. E sua banda de jazz. Era brincadeira. Ah, eu acreditei. Então acredita que você é bonito, bonito.
Fico tão nervosa e pego o maço fechado e saio para fumar. Dá para emendar dois já que a caneca tá cheia e o prédio vazio. Esses diálogos se alongam na minha cabeça e resolvo entrar e iniciar os trabalhos, checar se há email e inventar umas histórias enquanto não o vejo novamente.
Encontrei com ele na copa. Me pediu em casamento. Eu disse sim para tudo. ahhaha
Umas cinco conversas virtuais e nada muito interessante compartilhado em tanta janela. A música está se repetindo pela 5ª vez quando uma janela sobe. tem aula hoje? Tenho, mas acho que não vou. De novo. Então toma um drink comigo? Será que tomar um drink é adequado para minha faixa etária? Claro.
Não era o tipo de bar que tinha em mente, mas é bacana. Acho que sou a única pessoa de tênis aqui, mas ele não liga. Será? Acho que devia ter ido à aula, mas agora é tarde para sair correndo e caçar o ônibus. Nem deve passar ônibus aqui perto, muito menos para o mundo além ponte. Ah, é bonito. Mas nada a ver.
Ah, que conversa mais fora de lugar. Eu te levo para casa. Ah, beijo. Que beijo. Que beijo. Que perfume. Que coisa.
Mas dormir na casa dele e eu falo que dormi aonde para minha mãe? Sim, eu sou um daqueles wannabe ESPM. Acabo de provar. Sim, vou embora com você. Sim, tenho certeza. Não sei. Você me deixa um quarteirão longe de lá. Ai, mas minha roupa vai ser a mesma de hoje. Quem liga, posso trocar de roupa que ainda estarei como aqueles meninos de uma rua qualquer da Vila Olímpia.
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