segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Drummond e a Língua Portuguesa

Aula de português
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

Acomodava os livros em cima da mesa, ao lado uma caixa de giz branco e alguns pedaços perdidos de giz colorido, o apagador. Retirava da mochila os óculos e escondia sua insegurança atrás das lentes. Tïnha uma caneta vermelha, uma azul e um pequeno lápis...acreditava na sorte que ele dava para ela.

Silvia olhava o rosto daquela dezena de meninos e meninas e seus olhos faziam-na acreditar que eram centenas, milhares de rostinhos que ameaçavam sua fala entre gaguejos e tremedeiras.

Era sua primeira vez sozinha. Era a primeira vez em que encararia aquele grupo tão grande de pequenos ameaçadores. Pequenos vilões, pequenas crianças. Sentia-se do tamanho delas enquanto eles olhavam par cima para encontrar a aula da tal nova professora.

Um por vez, todos os nomes, todas as histórias de férias, todos com 11 anos.

Aula de português ...

um poema do Drummond, atividades na ponta da língua, na superfície estrelada de letras...

'sabe lá o que ela quer dizer?'

Todas atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me...

Certa gritaria, alguna papéis voando, algumas risadas, desentendimentos, desespero. Sentava em frente ao menino de boné verde, olhava-o fundo nos olhos sem pronunciar uma palavra. Olhava como se olhava para si própria, nã diziam uma só palavra, não reclamaria, não começaria sermões. Levantava-se e corria para ajuda da poesia. Sentia-se atacada, ofendida. Podia sair correndo, podia não dizer, nem ler. O poema diria sozinho:

Já esqueci a língua em que comia...
a língua, breve língua entrecortada.

O português são dois; o outro, mistério.

ps. vou escrevendo umas coisas e guardando. tenho um monte de histórias começadas e guardadas na caixa de postagens. essa é uma de meses atrás. nem gostei muito, talvez por isso não tenha postado, mas lá vai. dos meus tempos de professorinha.

Um comentário:

Paula Oliveira disse...

Que bonito! Eu gostei muito deste texto. O ofício de professora... tão importante e tão difícil... aiai. Lá também se vão os meus tempos de professorinha. Um dia eu volto! =D